terça-feira, 11 de agosto de 2015

Vicinal



"A pequena rodovia que liga o continente à sua morada passa a maior parte do tempo submersa. Embora esteja distante apenas alguns quilômetros da cidade vizinha, o abrigo da Duquesa de Doblevê parece se perder na noite. Nenhuma luz e nem mesmo a lua ilumina as redondezas daquele mar que parece calmo. Quantos perigos existem nessa estrada, quando finalmente se pode atravessá-la? Será a ilha só mais uma visão atormentada pela solidão de seu habitante? O que será que esconde o porão mais empoeirado de suas entranhas? Ficaria feliz o incauto viajante ao entrar na ante-sala e sentir o cheiro das velas do candelabro, responsavelmente próximas das espessas cortinas de cor púrpura com as quais se esconde do vasto mar? Desejaria permanecer em seus aposentos depois da quaresma e do dar-de-ombros?"

Dos impostos

O pedágio sobrevive às marés mais altas, e a maior das ressacas não o derruba. E, como se não bastasse a insistência de seu operador em aumentar a tarifa, agora deu para cimentar a passagem. Vomita medo, sofre de insônia e enfrenta os maiores calafrios para manter juntos os pés brancos de quem já fez a travessia e agora volta. Mudou-se também para dentro da ilha, e dele não se ouviu mais falar.

Do bandido

Como se atleta fosse, prefere arriscar a vida nadando do que pegar o próximo bote. Foi visto pela última vez comprando frutas no armazém de portas estreitas e altas de seu bairro. Sentiu-se nele forte odor de cigarros, como se em seu quarto ficara por meses, ocupando-se em queimar seus filtros brancos e compor músicas médias. Dele não se sente saudade, muito menos pena. Isso é o que ele pensa, pobre bandoleiro. O bandido não sente remorso e nem se importa com sua aparência de homem velho e gasto. E, tomado pelos escuros óculos de sol de sua paixão, ignora o nevoeiro que paira sobre seu caminho.

Da estrada

Flores estampadas, espuma, um brinco, borrachas, camarão, capital, alguns quartos, ruído, cartas enroscadas nas árvores de outono, tomadas, discos, uma bolsa pequena feita à mão, alarme, garagem, medo, insegurança, constrangimento, fotografias, fast food, álcool, mãe, pai, satélite, pedágio, chinelo, irmão, ponto, vírgula e música. Muita música. 











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