quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Marginal

Se eu inventariasse tudo o que tenho, e como em um transe pré-pago me livrasse de quase tudo que é rico e que é médio para conquistar as terras congelantes de meus anseios...

Quem pagaria por isso? Alguém ousaria ter um pedaço do que comprou meu último ato ocidental?

Nobre causa, pobre alma.

"Tem que acontecer alguma coisa, meu bem", disse o bicho que não podia ficar parado. Agora me sinto em uma cela de uma prisão que conheço até demais. Só que meus livros secaram com as páginas turvas, inexpressivas e frágeis demais para fazer deles pano de fuga. Minhas gravações precisam de energia elétrica para dançarem na minha cuca legal.

O par de botas taylor-made nunca me sorriu. São botas sisudas, de um peso que suporta somente a caminhada dos bravos. Couro, ferro e borracha de alta densidade costuram-se para dar cabo à derradeira trama do destino.

Serei capaz de começar? O norte já magnetizado em meus pés treme e ameaça.

Balada n.º 4, em Fá Menor, Opus 52.         Eu já deveria conhecer os perigos intensos do fá menor.

E no Palácio Real de Warvell ouve-se acordes. A introdução é feita, qual seja:

"Seu olhar era mais espiritual que sonhador; seu doce e fino sorriso jamais se tornava amargo; seu nariz curvo, expressivo, acentuado; sua estatura, elevada; seus membros, frágeis. Os gestos eram graciosos; o timbre da voz, um pouco surdo, às vezes abafado. Seu andar tinha tal distinção e seus modos um tal caráter superior que involuntariamente se o tratava como um artista."

Tenho fome. Estou só por alguns minutos e deveria ter guardado algum pequeno prazer para essa rara ocasião.

"Não, o som dos pássaros é maior", e cessou a escrita marginal.

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